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Pelos Olhos do Escritor
Escrever para mim é como respirar, eu preciso escrever para continuar vivo.
Textos
Depois de muitos meses de quarenta, ou afastamento social, como preferir. Decidi arriscar um lazer, mas evitando aglomerações. Fui para um rio numa cidade vizinha, longe de bares e de zonas habitadas. O problema foi que várias pessoas tiveram a mesma ideia que eu, e não demorou muito, o rio concentrava pequenos grupos de pessoas, uns separados dos outros, que comiam, banhavam-se e bebiam, ouvindo músicas e dançando. Em um desses grupos, lá longe, surgiu uma figura chamando a atenção de todos, um negro alto, forte, trajando um shortinho e a parte de cima de um biquíni.

Eu olhei também, não com o olhar homofóbico de muitos que lá estavam, olhei porque chamou minha atenção o estado de espírito que ele demonstrava, parecia feliz e sentia-se bem ali naquela roupa, mostrando ao mundo quem ele era ou quem gostaria de ser. Acredito que a gente passa tanto tempo se diminuindo, moldando-se para caber no mundo das outras pessoas, que acabamos por esquecer quem somos e o que nos deixa feliz, ele não, quem quisesse entrar no mundo dele que entrasse, mas não parecia disposto a agradar ninguém, estava apenas sendo ele.

Alguns comentários e gestos ofensivos foram direcionados a ele, e acabada a surpresa e o impacto de sua chegava àquele ambiente, todos o esqueceram e continuaram a fazer o que estavam fazendo. De repente, em uma pedra no meio do rio, uma cena inusitada: o rapaz travestido de mulher começou a dançar, a fazer uma performance de uma coreografia bem definida, mas sem nenhuma música. As pessoas já não deram mais atenção a ele, mas eu fiquei abismado, ele ria, dançava e se empenhava na execução da coreografia como se estivesse se apresentando para uma grande plateia.

Eu não conseguia parar de olhar, então comentei com um adolescente que estava próximo a mim, sobre a cena do dançarino e disse que ele dançava sem música. O rapaz então me disse que a música não fazia falta ao homem travestido, pois ele era surdo, e que tanto fazia dançar ao lado de um paredão como no meio do nada, a música era para ele um eterno silêncio. Não era silêncio, pensei. A música gritava na alma daquele rapaz, e se esvaia pelos seus movimentos, ele podia até não ouvir, mas entendia e sentia a música.

Não vou romantizar a surdez e nem as agressões sofridas pelo rapaz, que chamei de Dançarino das Águas. As atitudes das pessoas foram sim, inaceitáveis. Mas o que mais me chamou a atenção foi o fato de o nosso Dançarino das Águas não se importar com nada daquilo, a única coisa que realmente importava para ele, era viver e sentir, e transbordar seus sentimentos... o resto, ele não quis saber do resto. E por isso me pareceu feliz, autêntico e acabou me afetando, ele me mostrou como damos muita importância as coisas ruins e não aproveitamos o que realmente nos faz feliz.
Nilson Rutizat
Enviado por Nilson Rutizat em 21/12/2020
Alterado em 23/12/2020
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